Eis um relato baseado em fatos reais.
Vi o desespero em seus olhos. Enquanto me falava, as lágrimas escorriam e a dor que sentia em seu coração transparecia em seu olhar. A tristeza e a melancolia foram tomando conta do lugar. Os espaços dedicados ao silêncio em nossa conversa eram constantes. “Como pode uma coisa dessas? Há pessoas que não querem, não desejam estar nessa situação e forçam para que ela chegue ao fim. Mas eu queria, queria muito”.
Mesmo sabendo das consequências e da reviravolta que seria em sua vida, ela desejava ter aquilo com toda a força que seu coração lhe permitia. Eis então que ela inicia, de fato, seu relato.
Dentro de seu ventre carregava aquilo que representava um amor impossível de ser vivido. Mas, por uma ironia do destino, em uma bela noite de inverno, de repente sentiu algo escorrer por suas pernas e sua calça já aparentava o sangramento. O constrangimento existia, sim, justamente por estar em um ambiente público, mais especificamente no ônibus, voltando para casa depois de um dia exaustivo. Mas o que mais lhe doía era que ela não entendia o que estava lhe acontecendo, até então. Tudo poderia ter acontecido diferente.
Ainda dentro da lotação naquela noite, sentiu a vergonha por alguns adolescentes a zombarem. Mas ainda há pessoas de bom coração presentes no mundo e que ao ver como ela estava, vieram e lhe perguntaram se estava tudo bem e se precisava de ajuda. Uma senhora deu o lugar para ela se sentar. Conforme escutava seu relato, tentava deslumbrar meu olhar onisciente da situação.
Após descer do transporte público, foi caminhando até a sua casa, com fraqueza nas pernas e sua visão escurecia pouco a pouco. Ali estava perto de iniciar sua grande angústia. “Assim que cheguei em casa fui até o banheiro e procurar entender o que me ocorria. Não pensei em nada no momento, somente no meu filho! Eu estava sozinha, não tinha a quem recorrer. Cada pontada de dor que sentia era como se meu filho tivesse me falando, me salva mamãe. Mas em prantos contidos não conseguia nem me levantar do chão do banheiro”.
Quis parar a nossa conversa por aqui, mas ela não quis. Ela desejava terminar a conversa para ver se assim se sentia mais aliviada. “Eu senti muita raiva de mim. Ali, no chão, sem forças para me levantar e fazer algo pela minha felicidade e a do meu filho (que Deus o tenha em seus braços, meu eterno anjinho). Não estava com raiva da morte, mas estava com raiva de tudo aquilo que projetei naquela gestação e que fora interrompida sem nenhuma explicação”.
O luto existia em seus olhos, em seus gestos e em toda aquela situação que nos envolvia. “Eu não sei dizer se estou de luto. Mas preciso desse luto, preciso desse momento meu e do meu filho. É bom poder partilhar com você toda esta situação, independente de julgamentos ou qualquer coisa parecida. Mas é que minha dor transformada em luto é algo que é só meu, que só eu entendo e que preciso sentir”.
Segundo o relato, a jovem foi procurar ajuda médica no dia posterior. Ao constatar que estava grávida mesmo e que havia sofrido um aborto espontâneo, de repente sentiu uma dor, um vazio dentro de seu peito e que nem soube colocar em palavras. “A grande decepção da minha vida chegou, um peso, a tristeza, o medo de culpa tomou conta de mim naquele exato momento em que a médica soltou as palavras ‘Você sofreu um aborto espontâneo, minha querida’. Eu não sabia se eu chorava, se eu gritava ou se eu simplesmente me calava e engolia toda aquela angústia. E foi por ali mesmo que procurei todas os meios que deveria seguir para que esse processo doloroso, principalmente agora no meu psicológico, chegasse ao fim”.
Depois de todos os procedimentos feitos, a jovem relata que voltou para casa. Ali, em cada canto, agora com a luz do dia, enxergava a dor que passara sozinha naquela noite fria de inverno. Tudo lhe trazia à tona seus momentos dolorosos e de grande desespero. “Não acredito que eu vá esquecer o que me aconteceu, mas pretendo e com a graça de Deus, vou superar isso tudo. A dor é grande, mas minha fé em Deus é maior! Se esta foi a vontade d’Ele para a minha vida neste momento…”. E mais uma lágrima de vida escorreu por seu rosto, caindo bem na altura de seu coração. Com o término de nossa conversa, senti que seu semblante fora que nem aquela lágrima, um ato simbólico da vida implorando por mais uma chance.
Relatado por Lívia Catanho